Texto:
“(...) Assim como nos escolheu nele antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante Ele (...)”.
Efésios 1:4
Introdução:
Dentre as muitas histórias que se conhece a respeito de Napoleão existe uma que é realmente impressionante. Um jovem oficial do exército imperial tinha sido condenado à morte. A mãe do soldado, derramando lágrimas aos pés do imperador, suplicou o perdão para o filho. Napoleão de pronto recusou alegando tratar-se de um reincidente, razão pela qual a justiça exigia a morte do réu.
Desesperada, a mãe, argumentando, disse-lhe: Eu não peço justiça para o meu filho, majestade. Eu peço misericórdia, senhor, misericórdia!
Replicou o monarca:
- Ele não merece misericórdia. Ela, porém insistiu dizendo:
- Eu sei, senhor. Se ele a merecesse, não seria misericórdia, seria justiça.
Tocando-lhe, porém o coração essa verdade, Napoleão respondeu:
- Eu farei misericórdia.
O homem é capaz de garantir a sua própria salvação?
Muito tem se ouvido falar a respeito de que o homem é um ponto quase que preponderante na garantia do processo de salvação e que toda a decisão de ser ou continuar salvo depende única e exclusivamente dos seus próprios esforços. Para muitos do século 21 Deus apenas exerce a sua Soberania na esfera da graça comum e se exime de qualquer atuação direta na graça salvadora. Dessa forma, o papel de Deus se restringe ao fato de Cristo ter cumprido com a exigência do sacrifício vicário, sendo agora dado ao homem a possibilidade de escolha, principalmente no que diz respeito a aceitar o “convite” à salvação. Mas para entender melhor essa situação se faz necessário definir as duas linhas de pensamento que se destacam nesse campo, as quais são: a predestinação condicional e a predestinação absoluta. Na predestinação condicional entende-se que Deus elege com base na presciência, analisando os atos da pessoa em questão e prevendo que ela aceitaria o evangelho. Na predestinação absoluta Deus é o agente responsável tanto por chamar como por manter a salvação do eleito. A grande maioria tem dificuldade em administrar o conceito de predestinação condicional porque observa nela uma contradição no que diz respeito à doutrina da soberania de Deus, pois ao afirmar que o homem é responsável direto pela manutenção e segurança de sua salvação ela coloca Deus como um mero espectador das ações e reações humanas frente à proposta de salvação. Na melhor das hipóteses ele seria soberano somente no sentido de ter concedido Cristo ao homem, o resto é por conta do homem. Outra percentagem já apresenta dificuldades em administrar o conceito da predestinação absoluta, pois essa tem como ponto pivotal a afirmação de que Deus elegeu pessoas na eternidade, sem levar em conta nenhum mérito nelas implícito, e que a essas e somente a essas é dado a salvação de uma maneira eficaz. Muitos afirmam não concordar com essa doutrina, disposta nesses termos, pois entendem que Deus não seria justo se salvasse a uns e a outros não.
No âmbito da teologia modernista a doutrina da predestinação não consegue se manter intacta no que diz respeito aos pilares conceituais que a caracterizam, pois alguns a rotulam de determinismo, outros a apresentam como uma predestinação para todos e outra parcela a reduzem a certos ofícios ou privilégios. Enfim, diante de tantos conceitos a respeito dessa doutrina será que podemos afirmar ter o ônus da prova? Será que Deus é ou não soberano no planejamento, na execução e na manutenção da salvação do homem?
Tema: As evidencias da ação eletiva de Deus na salvação do homem.
1) A evidencia da ação direta de Deus no resgate do homem:
“(...) e estando nós mortos em nossos delitos, nos deu vida juntamente com Cristo, - pela graça sois salvos (...)”
Ef 2:5
A comparação que é feita no versículo de Efésios 2:5 não é apenas para mostrar que o homem estava separado de Deus, mas sim para dramatizar uma situação ainda mais complexa. Quando vemos no dia a dia ou até mesmo quando somos os protagonistas de uma situação de falta de compatibilidade afetiva entre duas pessoas, seja ela fruto de uma causa imediata ou não, percebemos que isso resultará em um progressivo afastamento entre as partes envolvidas e conseqüentemente esse afastamento, mas não necessariamente, dará lugar a um sentimento de inimizade. Numa situação como esta, dependendo da gravidade da causa, uma ou até mesmo ambas as partes podem considerar um ou outro morto, rompendo assim todo o relacionamento. Mas, mesmo nessa situação ainda há a possibilidade de qualquer uma das partes tomar a iniciativa de tentar resolver o problema e restabelecer a amizade. Já no que diz respeito à situação do homem em relação a Deus não há possibilidade alguma do homem ir a Deus, pois, essa situação de separação ocasionou sua morte espiritual diante de Deus, e sendo assim, no estado de morte, ele não pode demonstrar nenhuma afinidade ou intenção de ir a Deus. Em Rm 6:11 – 13 Paulo fala dessa situação numa linguagem sacramental em relação à doutrina do batismo e ele conclama o homem a se dar a Deus como “homens que foram trazidos da morte para vida”. Ou seja, fomos trazidos por Deus à vida. O termo “nekrous”, que é o termo que traduzido significa “morto” é usado aqui neste versículo com sentido figurativo ilustrando uma situação espiritual do homem e não uma situação física. O homem no estado de morte espiritual é impossibilitado de ir a Deus por causa do pecado original. Deus diante dessa situação age de uma maneira direta e eletiva na morte do homem, perdoando, regenerando e resgatando-o desse estado. Há também um impercilio ainda maior que a própria vontade do homem e que age sobre a sua vida, a Palavra chama esse impercilio de príncipe das trevas, o poder que atua sobre os filhos da desobediência, e sendo assim o homem que está morto nos delitos e pecados e ainda tem sobre si a ação do espírito que atua sobre os filhos da desobediência não tem possibilidade alguma de se voltar para Deus. Ele é escravo do diabo e sempre procurará o que é detestável a Deus. A única possibilidade desse homem ter vida eterna é se ele for resgatado dessa situação por Deus.
“O pecado de cada homem é o instrumento de seu castigo...”
Agostinho
Deus olha para a miséria do homem e em Cristo restaura-o à comunhão consigo. Ainda em Efésios 2:5 o Apostolo Paulo enfatiza a inabilidade do homem em relação à salvação mostrando que apenas em Cristo o homem pode receber a vida.
“Nenhum pecador jamais foi salvo por ter dado o coração a Jesus. Não somos salvos por termos dado, mas sim pelo que Deus deu.”
A. W. Pink
2) A evidência da ação de Deus revertendo a hostilidade do homem natural:
“Por isso, o pendor da carne é inimizade contra Deus, pois não está sujeito à lei de Deus, nem mesmo pode estar”.
Rm 8:7
O apostolo Paulo escreve esse trecho da Epístola aos Romanos fazendo uma contraposição entre o estado atual do crente e o anterior, e segue mostrando que em Cristo estamos livres da lei do pecado e da morte. Depois, no decorrer do versículo 9 ele ressalta aos crentes de Roma que eles já não mais viviam na carne. Entretanto, o ponto que eu quero ressaltar aqui é o fato do apostolo Paulo afirmar que quem está na carne é inimigo de Deus. Diante disso podemos entender que para o homem natural Deus é uma ameaça à sua má conduta, e sendo assim ele, em virtude da natureza depravada, não irá nunca querer se achegar a Deus. Tudo o que ele puder fazer para se manter longe ele fará. Ao analisar a situação por esse prisma, notamos que para o homem natural manifestar um desejo de buscar a Deus, algo que é contrario a sua natureza caída, ele tem que sofrer uma ação externa. O vírus da hostilidade precisa ser arrancado da vida do homem, pois de outra forma ele nunca poderia responder de uma maneira efetiva ao chamado de Deus. Deus, por meio da sua graça e misericórdia retira esse sentimento do coração do homem e reverte aquilo que antes era hostilidade em amor e devoção. O homem natural não quer e nem pode agradar a Deus, haja vista que as suas obras são obras da carne, e quanto a isso o próprio apostolo Paulo é enfático em dizer que tais homens não podem estar sujeitos à lei de Deus. Podemos ver esse quadro de hostilidade claramente pintado no coração e nas atitudes dos Dom Quixotes da nossa cultura, que preferem enfrentar moinhos de vento a aceitar que tudo o que eles tem vivido não é nada mais nada menos do que fruto da sua imaginação. Dom Quixote enfrentava moinhos de vento porque achava que eles fossem gigantes malfeitores, mas se por apenas um minuto passasse na mente dele um lampejo de lucidez, ele entenderia que não adiantava lutar contra os moinhos de vento, pois eles sempre seriam moinhos de vento. O homem natural, à semelhança da visão que Dom Quixote tinha a respeito dos moinhos, enxerga Deus por uma ótica diferente. Ele não vê Deus como um lugar no qual ele possa se refugiar, e sim como uma ameaça. Deus continuará sendo Deus, ainda que a hostilidade do homem natural o faça enxerga-lo de uma forma deturpada.
Deus age implacavelmente na regeneração do pecador!
3) A evidência de que a ação de Deus não é baseada nas boas obras:
“(...) que nos salvou e nos chamou com santa vocação ; não segundo as nossas obras, mas conforme a sua própria determinação e graça que nos foi dada em Cristo Jesus, antes dos tempos eternos (...)”
II Tm 1:9-10
“A graça de Deus não encontra homens aptos para a salvação, mas torna-os aptos a recebê-la”.
Agostinho
Nota-se que nesses versículos o apostolo Paulo apresenta a Timóteo a mensagem de que fomos chamados à santa vocação não por obras e sim pela livre e soberana graça de Deus, que nos elegeu antes dos tempos eternos. Essa afirmação nos leva a perceber que toda a teoria que afirma que Deus predestinou o homem com base na presciência, ou seja, que Deus predestinou porque anteviu que aquelas pessoas seriam propicias à salvação, não é algo condizente com a doutrina bíblica. O próprio Paulo diz que não fomos chamados em virtude das boas obras, mas ao contrário disso fomos, segundo a graça de Deus, determinados à salvação. Toda a história da salvação vem coadunar com essa afirmação, pois no período da lei o homem tentava cumprir toda ela, no entanto, sempre a infligia em alguma parte. A impossibilidade de ser tido como justo diante de Deus ficou latente, o homem precisava da graça de Deus para ser justificado, pois de outra forma continuaria envolto em rituais e normas que só destacariam ainda mais as suas debilidades.
Em Efésios 2:9 Paulo volta a ressaltar que a salvação não é decorrência das obras, e que a sua clara finalidade é enaltecer somente o nome do Senhor. Toda glória contida na salvação pertence única e exclusivamente a Deus.
Na sociedade na qual vivemos, onde todos os valores têm se tornado relativos e utilitaristas é de se esperar que ela não consiga conceber a idéia de que Deus não a serve e de que não cabe a ela decidir, em ultima instância, a respeito de sua salvação. Muitas dessas dificuldades de aceitar que Deus age na salvação sem levar em conta nenhum mérito humano, provem do conceito de mundo que a nossa sociedade tem. Para ela todas as questões que a dizem respeito precisam estar sob os seus auspícios e quando ela se depara com o fato de que “alguém” já decidiu por ela e que as “boas obras” que ela pratica não tem peso algum cria-se uma barreira para assimilar a questão. Entretanto, a Escritura Sagrada deixa claro que a base da salvação é a livre e soberana graça de Deus. As nossas melhores obras não passam de tentativas equivocadas de dar a Deus algo que não temos. As boas obras são decorrência da salvação, e precisam existir para evidenciar a legitimidade da nossa fé, mas não podem ser vistas como moeda de troca para com Deus.
Conclusão:
Assim como o jovem da ilustração a raça humana estava sentenciada à morte e não havia possibilidade alguma dela conseguir reverter essa realidade. A única saída seria poder ser assistida por um ato de misericórdia. Deus, munido de um ato soberano determina que alguns, de todos os que estavam justamente sentenciados, sejam assistidos pela sua misericórdia. E sendo assim, Ele resgata, reverte a inimizade e age sem levar em conta nenhum bem implícito no homem. Deus é implacavelmente soberano na salvação do homem.
Rev. Juliano Santana Quinto Soares
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Bibliografia
1. A Confissão de Fé de Westminster. Cultura Cristã. 2001. São Paulo.
2. Comentário do Novo Testamento – Romanos. William Hendriksen. Cultura Cristã. São Paulo, SP. 2001.
3. Confissão de Fé de Westminster Comentada.
4. Dicionário de Teologia do Novo Testamento.
5. Teologia Sistemática. Louis Berkhof. Cultura Cristã. 2001. São Paulo, SP.
6. Comentário do Novo Testamento – Efésios. William Hendriksen. Cultura Cristã. São Paulo, SP. 2001.
7. Comentário do Novo Testamento – I Timóteo, II Timóteo e Tito. William Hendriksen. Cultura Cristã. São Paulo, SP. 2001.
8. Bíblia de Estudo Vida.
9. Wright, Mc Gregor R.K., A Soberania Banida, Redenção para a cultura pós-moderna. Editora Cultura Cristã. Cambucí -SP.